Psicopedagoga especializada em neuropsicologia, Adriana
Foz ressalta: o processo de desenvolvimento é individual e o professor é o
responsável por conhecer seus alunos
Psicopedagoga de formação, especializada em neuropsicologia, Adriana Foz pesquisa a relação entre as recentes descobertas da neurociência e seus benefícios na área educacional. A pesquisadora integra o projeto Cuca Legal, da Universidade Federal de São Paulo, que procura, ministrando oficinas temporárias a professores, promover a saúde mental nas escolas. Divulgadora de conceitos como "janelas de oportunidades" e "plasticidade emocional", ela defende que, denominando situações vividas pelos seres humanos, é possível ajudar os professores a entender o desenvolvimento de seus alunos.
Quais são os pontos de encontro entre a educação e a neurociência? Na
entrevista a seguir, concedida durante o I Simpósio Internacional de
Neurociências, Saúde Mental e Educação, realizado em julho, em São
Paulo, sob sua coordenação, Adriana destaca as descobertas da área que
podem ajudar o dia a dia dos professores, comenta a relação entre
educação e neurociência e conta como a experiência de ter passado por
um Acidente Vascular Cerebral (AVC) a levou a pesquisar o funcionamento
do cérebro.
É
o cérebro que faz com que sejamos mais ou menos capazes de aprender. A
neurociência é a ciência que estuda o cérebro e o comportamento. O
professor se utiliza do instrumento cérebro e precisa lidar com
comportamento. Mas ele tem a função de mediar a formação, não tem de
diagnosticar se a criança é hiperativa ou disléxica. É preciso apenas
entender que existe essa ciência e que ela é uma ferramenta para sua
prática.
A neurociência tornou-se imprescindível para o educador? É
importante que o professor saiba sobre descobertas da neurociência,
como as "janelas de oportunidades". Ele não precisa ser neurocientista,
mas se tiver condição de ter essa informação, isso vai ajudá-lo a ter
mais facilidades em determinadas tarefas. Mas temos de tomar cuidado em
não lançar um monte de "deves" ao professor. Eu diria: ele pode estudar
neurociência se achar que vai ajudá-lo em sua prática. Se temos agora as
informações da neurociência, por que não se utilizar delas, para se
ajudar?
O que é o conceito "janelas de oportunidades"?É um conceito batizado pelos americanos. A janela de oportunidades é algo que se encerra. Se a visão de uma criança, por exemplo, não for estimulada entre os 0 e 4 anos, ela perderá a capacidade de enxergar. Isso é uma janela que se fecha, uma fase que não tem volta. Eu procuro destacar a diferença entre janelas de oportunidade e "períodos sensíveis". Períodos sensíveis são os mais propícios para uma determinada aprendizagem, para o desenvolvimento de uma habilidade. Por exemplo: é muito melhor aprender jogar futebol antes dos dez anos, do que quando se tem 40 ou 50 anos. Antes dos dez anos é o período sensível para aprender a jogar futebol. Embora se possa aprender a jogá-lo com 100 anos, não se terá a mesma eficiência nessa idade. Os professores de crianças da educação infantil têm de estar atentos à conduta de crianças tão pequenas, porque a neurociência nos explica que se deixamos passar muito tempo desses períodos de desenvolvimento, o problema do aprendizado cresce.
O que é o conceito "janelas de oportunidades"?É um conceito batizado pelos americanos. A janela de oportunidades é algo que se encerra. Se a visão de uma criança, por exemplo, não for estimulada entre os 0 e 4 anos, ela perderá a capacidade de enxergar. Isso é uma janela que se fecha, uma fase que não tem volta. Eu procuro destacar a diferença entre janelas de oportunidade e "períodos sensíveis". Períodos sensíveis são os mais propícios para uma determinada aprendizagem, para o desenvolvimento de uma habilidade. Por exemplo: é muito melhor aprender jogar futebol antes dos dez anos, do que quando se tem 40 ou 50 anos. Antes dos dez anos é o período sensível para aprender a jogar futebol. Embora se possa aprender a jogá-lo com 100 anos, não se terá a mesma eficiência nessa idade. Os professores de crianças da educação infantil têm de estar atentos à conduta de crianças tão pequenas, porque a neurociência nos explica que se deixamos passar muito tempo desses períodos de desenvolvimento, o problema do aprendizado cresce.
E a "plasticidade cerebral", do que se trata?É
uma capacidade inerente do cérebro, ou seja, todos os cérebros têm. É
uma qualidade do sistema nervoso central, que não precisa ter sua
consciência para ser empregada. Ela é a pré-condição para que o seu
organismo se regenere. O corpo faz plasticidade cerebral em três
momentos: na sua situação do desenvolvimento - quando ele faz as trocas e
as podas neuronais; quando se está fazendo alguma aprendizagem; e
quando se tem uma lesão. Se você quebrar alguma parte do corpo e não
tratá-la, ela vai se juntar. Só que ela vai se juntar de uma forma
melhor ou de uma pior, dependendo da sua reação, do ambiente do
tratamento e do tipo de estimulação que você fizer.
Então, no ambiente de sala, o aluno a emprega involuntariamente?Sim.
Mas vou te contar uma coisa em primeira mão, um entendimento para além
da plasticidade cerebral. É um conceito inédito: a "plasticidade
emocional". Ela tem as mesmas bases da plasticidade cerebral, mas conta
muito mais com a consciência. Com ela, você tem de usar recursos como
treino, perseverança, otimismo e uma série de outros quesitos. Se você
tem uma lesão cerebral no hemisfério esquerdo, por exemplo, a
plasticidade cerebral vai fazer compensações para recompensar o que foi
lesado. No entanto, é a plasticidade emocional que te dará a
flexibilidade para mudar rotas e conseguir alternativas para um novo
desenvolvimento da função lesionada ou perdida.
As janelas de oportunidades, por exemplo, podem ser percebidas pelo professor na prática? O entendimento deve necessariamente partir de um estudo teórico? O professor sabe muito mais do que imagina. Só que, às vezes, não tem a sistematização desse saber. Um professor pode conhecer bastante uma criança, pela experiência que tem, pelo número de horas que ficou com ela, mas se ele não tem a informação correta para interpretar suas percepções, incorre em erros na ajuda do processo de ensino dessa criança e em erros de julgamento.
As janelas de oportunidades, por exemplo, podem ser percebidas pelo professor na prática? O entendimento deve necessariamente partir de um estudo teórico? O professor sabe muito mais do que imagina. Só que, às vezes, não tem a sistematização desse saber. Um professor pode conhecer bastante uma criança, pela experiência que tem, pelo número de horas que ficou com ela, mas se ele não tem a informação correta para interpretar suas percepções, incorre em erros na ajuda do processo de ensino dessa criança e em erros de julgamento.
A neurociência não resume a prática pedagógica a uma mera relação científica e comprobatória?Nada
substitui o contato humano. O professor que, no meu entender, tem hoje
uma função de mediador, é o instrumental humano, que também tem emoções,
seu próprio desenvolvimento e sua história e que faz a mediação da
informação do conhecimento para o aluno. A relação que tem de haver
entre o ato de educar e qualquer outra prática, entre o professor e
qualquer outro profissional, tem de estar vinculada à própria práxis.
Essa práxis pode, sim, se utilizar de outras ferramentas e de outros
instrumentos e conhecimentos. Essa é a relação que eu vejo entre a
neurociência e o ensinar. O professor pode buscar informações nela para
otimizar sua prática. Mas isso jamais vai substituir a pedagogia. Porque
na neurociência não conseguimos recriar a ferramenta humana. Ela serve
para instrumentalizar, para ajudar. Se você entende melhor o que está
acontecendo no cérebro de uma criança, você pode mediar esse
conhecimento para chegar até ela com mais facilidade
Até onde a neurociência pode embasar a prática de ensino?A neurociência não consegue ver quando o aluno não está fazendo a tarefa porque está muito cansado. Mas o professor pode ver isso, pode sistematizar, saber qual técnica usará naquele momento e, com sua criatividade, refazer condutas de ensino. O professor terá sempre a competência de poder escolher o momento de adequar a informação da neurociência. A grande questão é que não somos todos iguais. Cada cérebro, cada encéfalo, é como uma impressão digital, é completamente diferente um do outro. Por quê? Porque temos nossas necessidades distintas ao longo da vida, nossas trajetórias, nossos desenvolvimentos e isso nos torna únicos. E como os alunos são únicos, e o professor também é único, há sempre acomodações e modelagens a serem feitas para que os objetivos possam ser alcançados.
Até onde a neurociência pode embasar a prática de ensino?A neurociência não consegue ver quando o aluno não está fazendo a tarefa porque está muito cansado. Mas o professor pode ver isso, pode sistematizar, saber qual técnica usará naquele momento e, com sua criatividade, refazer condutas de ensino. O professor terá sempre a competência de poder escolher o momento de adequar a informação da neurociência. A grande questão é que não somos todos iguais. Cada cérebro, cada encéfalo, é como uma impressão digital, é completamente diferente um do outro. Por quê? Porque temos nossas necessidades distintas ao longo da vida, nossas trajetórias, nossos desenvolvimentos e isso nos torna únicos. E como os alunos são únicos, e o professor também é único, há sempre acomodações e modelagens a serem feitas para que os objetivos possam ser alcançados.
Quais são os principais mitos sobre o
funcionamento cerebral que podem atrapalhar os professores ao lidarem
com o processo de aprendizagem?Há várias lendas
urbanas. Essa história de que só se usa 10% do cérebro é mito. Nós
usamos o cérebro todo, só que se formos mais estimulados, usaremos
melhor, e se formos menos, usaremos menos eficientemente. Outro é dizer
que se não pode ensinar uma segunda língua para uma criança antes que
ela complete sete anos. Até hoje encontro professores dizendo isso.
Nascemos com quase 100 bilhões de neurônios e nós vamos desgastando-os e
trocando-os, ao longo da nossa evolução. Essas trocas é que fazem com
que tenhamos mais ou menos capacidade de aprender. Então, quanto mais
neurônios se tem para aprender a segunda língua, mais eficiente é. Eu
tenho uma paciente de mais de 50 anos que aprendeu a quarta língua
porque quer exercitar o cérebro. Ou seja, enquanto formos vivos, podemos
aprender sempre. Temos períodos melhores ou piores para aprender.
Por que estudar esse assunto?Há
12 anos sofri um AVC, um acidente vascular cerebral hemorrágico. Embora
seja o mais raro, é o mais grave. Perdi uma série de funções, fiquei
com metade do corpo paralisado. Perdi a fala e a memória. Imagina o que
era para uma educadora, uma psicopedagoga, não saber ler, nem escrever?
Nesse momento fui buscar a neurociência mais intensamente. Por procurar
os estímulos corretos, entendi os caminhos certos para recuperar essas
habilidades, claro que de uma maneira específica, pois era o meu caso.
Cada um tem um tipo de processo individual de desenvolvimento. Enquanto
os educadores não olharem para isso, assim como os médicos e os
psicólogos, pouca gente vai ganhar. Pude realmente aprender o
significado de plasticidade emocional.
Fonte: Revista Educação | Por Estevan Muniz | Portal UOL
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